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O Bem-Estar dos cavalos e o mundo hípico

No período em que o homem caçava para comer, acredita-se que os cavalos tenham servido como fonte de proteína na alimentação de nossos ancestrais e de couro para proteger o homem das variações climáticas.

A domesticação dos cavalos pelos seres humanos pode ter ocorrido há pelo menos 6 mil anos, por nômades das regiões da Península Ibérica e Ásia Central, segundo estudo realizado pela Universidade de Cambridge. Essa domesticação foi fundamental para o desenvolvimento da humanidade e resultou na espécie tal qual a conhecemos nos dias atuais.

Recentemente, com a descoberta e entendimento do DNA, arqueólogos identificaram a presença de leite de éguas em panelas utilizadas pelos povos nômades e indícios de montaria em cavalos, já no período neolítico (7.000 a.C a 2.500 a.C.).  De acordo com cientistas em um trabalho publicado nos anais da Academia Americana de Ciências (PNAS, estima-se que entre 13% e 60% do genoma dos cavalos da atualidade provêm de espécies extintas, o que quer dizer que as raças domesticadas descendem, pelo menos em parte, de antigas populações equinas desaparecidas e identificaram os genes sobre os quais a domesticação teve maior influência (articulações, membros, músculos e sistema cardíaco) e essas adaptações fisiológicas estão relacionada ao uso dos cavalos pelo homem.

Os cavalos, ao longo da história, proporcionaram ao homem percorrer longas distâncias, foram soldados de guerra, instrumento de conquista, transportaram cargas e pessoas.

Até os dias atuais estes animais possuem importante papel no cotidiano do homem, em tarefas como a agricultura, transporte e nos esportes. Mas engana-se quem pensa que a importância dos equinos se limita aos pontos mencionados acima. Estes incríveis animais também  tem importante colaboração em questões de saúde, sendo estes os responsáveis pelo fornecimento de soro para fabricação de vacinas e outros, como por exemplo, o soro antiofídico  e obtenção do vírus inativo da raiva, produzidos pelo instituto Butantã.

Com a ocorrência do êxodo rural, das industrializações e revoluções, da popularização dos meios de transporte como trens e carros, da evolução da tecnologia e dos conhecimentos do homem, nos distanciamos do contato e do convívio com estes animais e outros animais.

Pesquisadores e profissionais da saúde veterinária, ao longo deste tempo, passaram a tentar compreender também melhor estes animais que, há milhares de anos, são nossos companheiros. Nos dias modernos, reconhecemos e compreendemos que os animais tem ligações fortes com os seres humanos e capacidades claras de sentimentos, aprendizagem e raciocínio também.

O cavalo, que já foi um grampo da agricultura e do transporte, tornou-se menos um animal de carga e agora é visto por muitos no público para ser um animal de companhia, da mesma forma que um cachorro ou gato. Nesta sociedade Nesse contexto, questões de bem-estar que afetam o cavalo ressoam com o público como nunca antes.

O que nos leva a uma questão, um assunto que tem cada vez mais relevância: o Bem estar animal.

O “universo dos cavalos” atualmente, especialmente nas metrópoles, nas quais os animais encontram-se sobretudo por suas aptidões esportivas, permite que poucas pessoas tenham contato e vivência com a espécie e com o meio (embora seja cultural ter estes animais como animais de companhia em algumas regiões do Brasil). E com uma freqüência cada vez maior as questões relativas ao Bem-estar dos cavalos encontra-se em pauta nos assuntos cotidianos.

O que é bem-estar?

A AAEP (American Association of Equine Practtioners),  a FEI (Federação Eqüestre Internacional), a CBH (Confederação Brasileira de Hipismo) e as Federações Eqüestre Estaduais são unânimes quando se diz respeito aos cavalos:

  • SEMPRE DEVE-SE COLOCAR O CAVALO EM PRIMEIRO LUGAR: ESSA É A RECOMENDAÇÃO VETERINÁRIA PARA A SEGURANÇA E BEM ESTAR DOS EQUINOS (Em outras palavras, em primeiro lugar o cavalo, depois o esporte).

No Brasil, os estabelecimentos Hípicos, as Federações de Hipismo e a CBH se baseiam no código FEI de Bem Estar, o qual compreende uma série de questões importantíssimas para pautar os esportes tais como o salto e o adestramento, e que devem ser seguidas por todos os profissionais envolvidos com a eqüinocultura.

Código de conduta da FEI para o bem-estar do cavalo

A FEI exige que todos os envolvidos no esporte equestre internacional sigam o Código de Conduta da FEI e reconheçam e aceitem que o tempo todo o bem-estar do Cavalo deve ser primordial. O bem-estar do cavalo nunca deve estar subordinado a influências competitivas ou comerciais.

Os seguintes pontos devem ser particularmente respeitados:

1. Bem-estar geral:

a) Boa gestão de cavalos

A estabilidade e a alimentação devem ser compatíveis com as melhores práticas de gestão de cavalos. Feno, alimentação e água limpos e de boa qualidade devem estar sempre disponíveis.

b) Métodos de treinamento

Os cavalos só devem passar por um treinamento que corresponda às suas capacidades físicas e nível de maturidade para suas respectivas disciplinas. Eles não devem ser submetidos a métodos que sejam abusivos ou causem medo.

c) Ferrageamento e Piso

Os cuidados com os pés (cascos) e os calçados (ferraduras) devem ser de alto padrão.

A aderência do piso deve ser projetada e ajustada para evitar o risco de dor ou lesão.

d) Transporte

Durante o transporte, os cavalos devem estar totalmente protegidos contra ferimentos e outros riscos à saúde. Os veículos devem ser seguros, bem ventilados, mantidos com um alto padrão, desinfetados regularmente e conduzidos por pessoal competente. Manipuladores competentes devem estar sempre disponíveis para gerenciar os Cavalos.

e) Trânsito

Todas as viagens devem ser planejadas com cuidado, e os Cavalos permitem períodos regulares de descanso com acesso a comida e água, de acordo com as diretrizes atuais da FEI.

2. Aptidão para competir:

a) Aptidão e competência

A participação na competição deve ser restrita para adequar cavalos e atletas de competência comprovada. Os cavalos devem ter um período de descanso adequado entre o treinamento e as competições; períodos de descanso adicionais devem ser permitidos após a viagem.

b) Estado de saúde

Nenhum cavalo considerado inapto para competir pode competir ou continuar a competir; deve-se procurar aconselhamento veterinário sempre que houver alguma dúvida.

c) Doping e medicação

Qualquer ação ou intenção de doping e uso ilícito de medicação constitui um grave problema de bem-estar e não será tolerada. Após qualquer tratamento veterinário, é necessário tempo suficiente para a recuperação total antes da competição.

d) Procedimentos cirúrgicos

Não devem ser permitidos procedimentos cirúrgicos que ameacem o bem-estar de um cavalo competidor ou a segurança de outros cavalos e / ou atletas.

e) Éguas prenhas / recém-paridas

Não é permitido competir após o quarto mês de prenhez ou com o potro aos pés.

f) Uso indevido de auxílios

O abuso de um cavalo usando auxílios naturais a cavalo ou artificiais (por exemplo, chicotes, esporões, etc.) não será tolerado.

3. Os eventos não devem prejudicar o bem-estar dos cavalos:

a) Áreas de competição

Os cavalos devem ser treinados e competir em superfícies adequadas e seguras. Todos os obstáculos e condições de competição devem ser projetados com a segurança do cavalo em mente. b) Superfícies do solo

Todas as superfícies do solo nas quais os cavalos andam, treinam ou competem devem ser projetadas e mantidas para reduzir os fatores que podem causar ferimentos.

c) Condições climáticas extremas

As competições não devem ocorrer em condições climáticas extremas que possam comprometer o bem-estar ou a segurança do cavalo. É necessário prever condições de refrigeração e equipamentos para os cavalos após a competição.

d) Estábulo em eventos

Os estábulos devem ser seguros, higiênicos, confortáveis, bem ventilados e de tamanho suficiente para o tipo e disposição do cavalo. Áreas de lavagem e água sempre devem estar disponíveis.

4. Tratamento humanitário de cavalos:

a) Tratamento veterinário

Os conhecimentos veterinários devem estar sempre disponíveis em um evento. Se um cavalo for ferido ou exausto durante uma competição, o atleta deve parar de competir e uma avaliação veterinária deve ser realizada.

b) Centros de referência

Sempre que necessário, os cavalos devem ser coletados em ambulância e transportados para o centro de tratamento relevante mais próximo para avaliação e terapia adicionais. Os cavalos feridos devem receber tratamento de suporte completo antes de serem transportados.

c) Lesões na competição

A incidência de lesões sofridas na competição deve ser monitorada. As condições da superfície do solo, a frequência das competições e quaisquer outros fatores de risco devem ser examinados cuidadosamente para indicar maneiras de minimizar lesões.

d) Eutanásia

Se os ferimentos forem suficientemente graves, um cavalo poderá precisar ser sacrificado por motivos humanitários por um veterinário o mais rápido possível, com o único objetivo de minimizar o sofrimento.

e) Aposentadoria

Os cavalos devem ser tratados com simpatia e humanidade quando se aposentarem da competição.

5. Educação:

A FEI urge todos os envolvidos no esporte equestre a atingir os níveis mais altos possíveis de educação em áreas de especialização relevantes para o cuidado e gerenciamento do Cavalo de Competição.

Este Código de Conduta para o Bem-Estar do Cavalo pode ser modificado de tempos em tempos e as opiniões de todos são bem-vindas.

Será dada atenção especial às novas descobertas da pesquisa e a FEI incentiva mais financiamento e apoio para estudos de bem-estar.

(Adaptado do Código de conduta FEI)

 

Já a AAEP, uma renomada associação de médicos veterinários de eqüino respeitada em todo o mundo, recomenda aos profissionais veterinários os seguintes princípios:

Princípios de bem-estar equino da AAEP

Como voz para equídeos em questões que afetam seu bem-estar, o AAEP acredita:

  1. O uso responsável de animais para fins como companhia, comida, fibra, recreação, trabalho, educação, exposição e pesquisa realizada em benefício de humanos e animais, deve ser consistente com o Juramento do Veterinário.
  2. Os equídeos devem receber água, comida, manuseio adequado, assistência médica e um ambiente adequado ao seu uso, com consideração cuidadosa por sua biologia e comportamento típicos da espécie.
  3. Os equídeos devem ser tratados de maneira a minimizar o medo, a dor, o estresse e o sofrimento.
  4. Os equídeos devem receber proteção contra calor prejudicial ou frio e condições climáticas adversas prejudiciais.
  5. Os equídeos utilizados em competições, eventos para espectadores, shows, exposições, filmes e televisão não devem ser submetidos ao uso fraudulento de drogas, agentes não nutritivos, equipamentos ou procedimentos destinados a alterar desempenho, conformação ou aparência.²
  6. Eventos e atividades envolvendo equídeos devem se esforçar continuamente para colocar o cavalo em primeiro lugar acima de todos os outros interesses.
  7. As organizações da indústria equina devem identificar áreas onde os equídeos estão sendo submetidos a procedimentos ou métodos de treinamento adversos e trabalhar para eliminar quaisquer atos desumanos.
  8. Os equídeos devem ser transportados de maneira a minimizar o potencial de enfermidades, doenças, ferimentos, fadiga ou outros sofrimentos indevidos durante a viagem.
  9. Os equídeos devem ser tratados com respeito e dignidade durante toda a vida e, quando necessário e no momento oportuno, devem proporcionar uma morte humanitária.
  10. A profissão veterinária deve se esforçar continuamente para melhorar a saúde e o bem-estar dos equídeos por meio de pesquisa científica, educação, colaboração, advocacia e proposta ou apoio de legislação e regulamentos apropriados que promovam a existência humana de equídeos.¹

(Adaptado dos Princípios de Bem-Estar Animal da AVMA (American Veterinary Medical Association))

O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), juntamente com a Secretaria do Produtor Rural e Cooperativismo, da Comissão Técnica Permanente de Bem-estar Animal e da  Câmara Setorial de Equideocultura, lançou em 2016 o MANUAL DE BOAS PRÁTICAS PARA O BEM-ESTAR ANIMAL EM COMPETIÇÕES EQUESTRES, onde pode-se encontrar os princípios acima e outras condutas que se adequam às legislações brasileiras.

O rebanho de cavalos no Brasil

O Brasil detinha o terceiro maior rebanho do mundo, com aproximadamente 5,9 milhões de eqüinos, segundo dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) . Grande parte desse rebanho, 28,7%, é criada ou mantida na Região Sudeste do país, contando o Estado de São Paulo com 9,8% do total.

O agronegócio ligado a cavalos emprega mais de meio milhão de pessoas diretamente no Brasil, distribuídas em mais de 120 atividades que variam desde a confecção de selas até o turismo eqüestre, segundo um estudo encomendado pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil – CNA à Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz – Esalq/USP.

O papel do médico veterinário no bem-estar dos equinos

No Estado de São Paulo, existem locais particulares destinados para a prática dos esportes eqüestres e para a estabulagem de cavalos.

Ter os animais por perto é uma experiência sempre incrível em diversos sentidos (desde nossa saúde mental e física, até auxiliar no tratamento de pessoas através da Equoterapia). Mas isso só é possível devido a um grande time de profissionais veterinários que zelam pela saúde e bem estar destes animais no dia-a-dia e durante os eventos esportivos.

Nos eventos que ocorrem no município de São Paulo, são exemplos de atuação com foco em Bem-estar:

  • Médicos Veterinários Responsáveis Técnicos pelos grandes centros de hipismo: acompanhamento diário dos animais estabulados nos locais, realização de relatórios de incidência de patologias, observam as condições de bem estar destes animais residentes nestas hípicas, cuidam da parte zoosanitária (tais como o controle de entrada e saída destes animais portando exames e documentos sanitários, controle da realização das vacinações semestrais e vermifugações semestrais destes rebanhos, entre outros) e mantém canais de comunicação com os demais profissionais veterinários para atender às demandas, reclamações e sugestões que tragam melhorias à qualidade de vida destes animais.
  • Médicos Veterinários Responsáveis técnicos pelos eventos e competições: Desempenham uma função de responsabilidade e controle zoosanitários perante a Secretaria da Agricultura e ao Ministério da Agricultura, desempenhando funções de controle de entrada e saída destes animais portando exames e documentos sanitários dentro da validade, conferência de resenhas, averiguação das carteiras de vacinação/passaportes/atestados sanitários, observação das condições de saúde e bem-estar dos animais que chegam para a competição e ao longo de sua estadia. Estes profissionais recebem e acompanham as fiscalizações dos órgãos que fiscalizam os eventos para checagem das condições sanitárias e de bem estar dos animais concentrados para os eventos.
  • Médicos Veterinários Clínicos dos eventos: responsáveis pela inspeção veterinária, que é o primeiro passo antes do início de um evento para averiguação das condições de aptidão esportiva dos animais. Os animais que não são considerados aptos a participar dos eventos são retirados da ordem de entrada da prova (retirado da competição) e retornam para seus locais de estabulagem. Os veterinários clínicos responsáveis pelos eventos também orientam outros profissionais veterinários que estão no evento para acompanhar seus clientes (os cavalos), recebem e assinam os documentos que autorizam a realização de medicações ou procedimentos que sejam permitidas pela Confederação Brasileira de Hipismo e pela Federação Eqüestre Internacional. Garantem as condições de saúde e bem estar dos animais participantes dos eventos.
  • Médicos Veterinários responsáveis pelos exames antidoping: Todos os animais que participam de uma competição onde haja a ocorrência de exames antidoping estão sujeitos a serem selecionados para a coleta e realização do exame. Isso porquê há substâncias que têm seu uso proibido (medicamentos que inibem a dor, medicamentos que aumentem a performance) e outros até banidos (hormônios, por exemplo) e nenhum animal deve estar em posição de vantagem por uso de qualquer uma das classes acima. Há também os exames através do uso de termografia, que consistem na checagem de temperatura das regiões das canelas dos cavalos antes de adentrarem a pista (animais escolhidos aleatoriamente ou à pedido do juiz de campo) para a certificação de que não foram usadas quaisquer substâncias que levem ao aumento da sensibilidade das áreas. Estes profissionais tem grande ligação com o bem estar, umas vez que a realização de exames antidoping inibe que animais que encontram-se com algum tipo de dor sejam medicados, já que as punições de um resultado positivo serão aplicadas ao cavaleiro que monta o animal. Desta maneira, tenta-se promover competições limpas e em condições de igualdade.
  • Médicos Veterinários especializados em Fisioterapia & Fisioterapeutas: Presentes nos eventos dos mais diferentes tamanhos, estes profissionais cuidam dos atletas, ajudando-os a se recuperarem ao término do dia de competição e os preparam para o dia seguinte através do uso de alguns equipamentos fisioterápicos, massagens, alongamentos e outras terapias que culminam em relaxamento e bem estar.
  • Delegados Veterinários: Em eventos sob chancela da FEI (Federação Eqüestre Internacional) o delegado veterinário é o médico veterinário que será responsável por garantir a saúde e bem estar dos cavalos e também é o responsável por manter os padrões veterinários e que os regulamentos veterinários da FEI sejam cumpridos em todos os aspectos.

 

Rachel C. Worthington
Médica Veterinária
CRMV SP 27392
Tel. 11 980120445

 

Helio Itapema
Médico Veterinário
CRMV SP 12985
Tel. 11 940202080

 

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